A voz da razão: Como a autofala nos ajuda a resolver problemas

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Você costuma falar sozinho? Os cientistas descobriram que usar as palavras certas pode nos libertar de nossos medos e aumentar o conhecimento sobre nós mesmos e sobre os outros.


O Psicólogo Ethan Kross em certa ocasião passou direto num sinal vermelho. “Ethan, seu idiota!”, disse para si mesmo, prometendo dirigir com segurança até chegar em casa. Então, esse psicólogo parou para pensar na sua própria frase. Ele não disse: “Eu sou um idiota”. “Eu me chamei pelo meu nome”, observou para si mesmo. “Por quê?”

Poucos meses depois, LeBron James, um jogador de basquete, foi na televisão falar da sua decisão de deixar o time Cleveland Cavaliers e ir para o Miami Heat. Alguns dos fãs de Cleveland não gostaram da notícia e até queimaram a camisa do time, mas James explicou que sua decisão tinha sido pensada com calma. “Eu não queria tomar uma decisão emocional”, disse. “Eu queria fazer o que era melhor para LeBron James”. Muitos questionaram sua sanidade.

Depois Kross ouviu Malala Yousafzai, a ativista paquistanesa e a pessoa mais jovem a ganhar o Prêmio Nobel, contando sua história para o Taliban. “‘Se o Taliban viesse, o que você faria Malala'”, ela falou como disse na época. “Então eu respondi a mim mesma: ´’Malala, basta levar um sapato e acertar neles´´.

Isso estimulou Kross a investigar a questão. Ele sabia que as pessoas falavam naturalmente consigo mesmas, mas ele não sabia se a conversa significava alguma coisa ou se as palavras que usavam realmente importavam. Assim, ele decidiu estudar o assunto.

Em uma série de experiências inovadoras, Kross descobriu que a forma como as pessoas conduzem seus monólogos interiores tem um enorme efeito sobre o seu sucesso na vida. Se referir a si mesmo usando o pronome eu aumenta as chances de se frustrar e não ir tão bem em circunstâncias estressantes. Se você se dirigir a você mesmo pelo seu nome, uma série de tarefas podem melhorar consideravelmente, como num discurso ou numa autodefesa, por exemplo.

Com a sua pesquisa, Kross está investigando o que tem sido ignorado pela psicologia – o uso da autofala para aumentar a confiança. Sua obra eleva a auto-fala para algo muito mais significativo: um poderoso instrumento da própria consciência. Quando implementada de maneiras específicas, em momentos específicos, ela libera o cérebro para executar o seu melhor.

Alterar a forma de abordar uma pessoa nos faz virar uma chave no córtex cerebral, o centro do pensamento, e outra na amígdala, a sede do medo, movendo para mais perto ou mais longe o nosso senso de intensidade emocional. Ganhar distância psicológica permite que tenhamos autocontrole, nos permite pensar claramente e desempenhar com maior competência. O interruptor de linguagem também minimiza ruminação, uma serva da ansiedade e da depressão, depois de completar uma tarefa. Liberto de pensamentos negativos, ganhamos perspectiva, foco, e um plano para o futuro.





Os cientistas que estudam a voz interior dizem que ela toma forma no início da infância e persiste ao longo da vida como companheira criativa. Ela é tão íntima, tão constante, diz o psicólogo britânico Charles Fernyhough, que pode ser considerada como o próprio pensamento. “Quando perguntado sobre o que define um pensamento,” Fernyhough explica, “Sócrates respondeu:” A conversa que a pessoa tem com ela mesma’´. Leitor cuidado: Esta informação pode ser mal interpretada se levada ao extremo, se tornando uma fonte de dor ou até mesmo uma psicose. No entanto, também pode fazer de nós observadores de nossa própria vida. A conversa é uma das ferramentas mais eficazes para dominar a psique e fomentar o sucesso.”

Quando éramos jovens

A autofala começa durante a infância. A autofala incessante das crianças em voz alta é como uma espécie de manual de instruções; a voz da criança direciona a construção de casas de Lego ou a pronuncia de palavras e frases em livros.

Aqui está um exemplo de uma criança pequena guiando a construção de um caminhão através da autofala. “Essas rodas aqui, essas rodas ali. Oh, nós precisamos começar tudo de novo. Precisamos fechar. Veja, ele fecha sozinho. Estamos começando tudo de novo”.

Como disse o psicólogo soviético Lev Vygotsky, aquela auto-fala em voz alta “transforma a tarefa em questão, como uma chave de fenda transforma a montagem de um galpão”. “Colocar os nossos pensamentos em palavras dá a eles uma forma mais tangível, os torna mais fáceis de usar”.


A conversa interior da criança não é mecânica, complementa Vygotsky – ´´é o ato social final, uma apropriação dos ensinamentos que ela adquiriu de pessoas mais experientes. É muito bom para ajudar as crianças a adquirir o controle de suas ações e comportamentos´´.

A autofala é o meio pelo qual a criança navega na chamada “zona de desenvolvimento proximal”, o reino dos desafios além do seu alcance, muito complexos para uma criança dominar sozinha. Falando em voz alta, as crianças constroem parcerias de aprendizagem com os adultos para adquirir a habilidade e depois fazerem por conta própria. A autofala é internalizada e o domínio é adquirido, até que seja parte da conversa permanente consigo mesmo, cada vez mais íntima.

Uma geração de psicólogos infantis passou décadas documentando as nuances: Na melhor das circunstâncias, o professor ou cuidador, pacientemente ensina as crianças o passo-a-passo para dominar qualquer tarefa; as crianças, por sua vez, usam essa linguagem em seu discurso privado para se ensinar. “Você pode fazer isso, tente novamente”, a criança pode dizer para si mesma quando se vê em apuros, se orientando através dos problemas mais desafiadores, uma frase lógica de casa vez.

Por outro lado, um professor irritado, explosivo ou impaciente pode ser definido pelas crianças como um padrão autodestrutivo de autofala. Crianças expostas a esses professores aprendem a língua da frustração, se tornam ineficientes, ficam com raiva de si mesmas quando se sentem confusas. “Idiota, você não consegue fazer nada”, a criança pode dizer para si mesma. Além de se insultar, a criança também não consegue dominar a tarefa.

Berk também descobriu que a conversa privada é o combustível da imaginação. Fingir ser o James Bond requer uma série de complexidades – organizar o seu “equipamento de espionagem”, encontrar um esconderijo em Barcelona (debaixo da escada), derrotar seu inimigo em seu barco (banheira), e receber falsos documentos no avião (sua cama). Tudo isso depende de funções executadas no cérebro: controlar a atenção e ir combinando vários tipos de informações na memória de longo prazo, bem como planejamento, organização, e pensar de forma flexível, essas mesmas habilidades são a base do sucesso escolar posterior.

Através da autofala as crianças podem planejar e ativar seus personagens de faz de conta. É provável que elas estejam realizando uma estratégia para a idade adulta, se preparando para uma vida inteira de atenção focalizada, organização e auto-regulação. “As crianças com amigos imaginários não estão, de nenhuma forma, perturbadas”, Berk observa. “As crianças que conversam com amigos imaginários desenvolvem mais auto-fala quando adultas, e isso faz com que tenham mais autocontrole.”

O fazer de conta, ligado à auto-fala, dá às crianças distância psicológica de suas vidas cotidianas, diz Berk. E essa distância proporciona o espaço psíquico que elas precisam para ganhar controle sobre seus próprios impulsos. A auto-fala é um dos grandes presentes para a humanidade.

Agora estamos crescendo

34O plano formado pela autofala é construído durante anos. Palavras ditas nos primeiros anos de vida são como um fio que se estende desde o cérebro para além do córtex, o pensamento no cérebro límbico primitivo, na amígdala, onde memórias emocionais tomam forma e medos podem nos prender. As palavras de auto-fala chegam à amígdala para nos dar ansiedade ou nos libertar das limitações, o que nos permite exercer altos níveis de autodisciplina em todos os tipos de circunstâncias, como falar em público por exemplo.

Ethan Kross descobriu em seus estudos que o uso de um primeiro nome minimiza a ansiedade social (medo de ser avaliado num contexto social), razão pelo qual a maioria das pessoas odeia falar em público. Ele desativa a ansiedade social não só antes do evento estressante, mas mais tarde também, quando as pessoas tendem a ruminar sobre seu desempenho – o que os cientistas chamam friamente de “processamento pós-evento”.

Kross pediu a 89 homens e mulheres para fazerem um discurso sobre por que eles se acham qualificados para seu ´´trabalho dos sonhos´´. Cada participante tinha cinco minutos para se preparar. Metade foi instruída para usar somente pronomes ao se descrever; a outra metade deveria usar o seu nome de batismo. Aqueles no grupo do pronome acabaram ficando ansiosos, vendo a tarefa como impossível. “Como eu posso escrever um discurso em cinco minutos?”, foi o comentário típico. Aqueles que usaram seus nomes se sentiram menos ansiosos e mais confiantes. “Você pode fazer isso, Ethan”, foi uma exortação típica no período de preparação para o discurso.

Mas a prova de fogo foi o que veio depois. Aqueles que utilizaram o seu nome tiveram melhor desempenho no discurso (julgados por avaliadores independentes), eles também ficaram menos ansiosos e sentiram menos vergonha. Em outros estudos, Kross descobriu que usar o primeiro nome capacita os participantes: o que os outros veem como uma ameaça, eles veem como um desafio. Ao fazer o discurso, os voluntários que usaram o pronome se sentiram inaptos para a tarefa.

“Ao lidar com emoções fortes, dar um passo para trás e se tornar um observador imparcial, pode ajudar”, explica Kross. “É muito fácil para as pessoas aconselhar seus amigos, mas quando se trata de si mesmos, elas têm problemas”.

Como agir diante de um Desafio

Usada corretamente, a linguagem interna pode focar o pensamento, aprimorar o planejamento, e evitar o veneno da ruminação mais tarde.

“Jennifer (1), você está nervosa por quê? Não é o seu primeiro namoro. Eu sei que você gosta deste cara, mas vá devagar (2), e mantenha a calma. Mesmo se não sair tudo perfeito, não será o fim do mundo. Você é capaz (3), inteligente, realizada e bonita. Basta fazer o seu melhor e deixar fluir…”

1: Jennifer se distancia do estresse de fazer algo pela primeira vez, falando consigo mesma pelo nome, se vendo como uma amiga. A distância confere sabedoria, confiança e calma que ela nunca teria se referisse a si mesma como ´´eu´´ ou ´´mim´´.

2: Ela também explora o tipo de estratégia que as crianças usam quando se envolvem em atividades como a construção com blocos, só que em vez de colocar um pequeno quadrado na parte superior do retângulo grande, ela agora diz a si mesma para ter calma. Seu auto direcionamento é preciso.

3: Não menos importante, Jennifer alivia a gravidade da situação com algumas auto afirmações, permitindo ver esse dia no contexto de todo o seu ser. Ela não será devastada se a experiência não funcionar.

Ação Afirmativa

As afirmações funcionam, mas não da maneira que você pensa.

Mudar de pronomes pra nomes não é o único caminho para ter uma perspectiva sábia. Há uma espécie de autofala que tem sido vista como auto-afirmações, declarações positivas (“Você é brilhante”, “Você é linda”) e parece que funcionam como atalhos para auto-estima. Mas os pesquisadores acham que elas também servem para um propósito. Essas afirmações têm o poder de neutralizar ameaças e conferir perspectiva.

Psicólogos da Universidade da Califórnia descobriram que tais impulsos do ego fazem a pessoa se sentir bem e podem minar as críticas, proporcionando uma proteção contra as explosões ásperas do mundo. Elas podem nos ajudar a enfrentar ameaças externas e perseverar nas negociações, em trabalhos difíceis, e diante de problemas de saúde. Elas não superam as dificuldades, mas ampliam a nossa perspectiva sobre nós mesmos, ajudando amenizar os golpes da vida: são expansões cognitivas. 

Em um estudo, os pesquisadores escolheram alguns alunos para um teste, e prepararam alguns deles com afirmações como “Eu me sinto orgulhoso” e “Eu confio em você”. Apesar de todos fracassarem no  falso teste, os que fizeram as afirmações relataram uma melhora da auto-estima, mesmo que elas não tivessem nenhuma relação com a sua inteligência. “As auto-afirmações ampliaram a perspectiva, reforçando a auto-estima, desfazendo uma perspectiva ameaçadora”. As afirmações são muito eficientes e nos ajudam a evitar a ´´visão em túnel´´ durante uma situação em que nos sentimos ameaçados. Amparado por uma afirmação ou duas, podemos identificar mais facilmente a ameaça e nos vermos mais capacitados para enfrentá-la.

Fonte: PsychologyToday traduzido e adaptado por Psiconlinews

About the Author Taiz de Souza

Apaixonada por psicologia, se dedica a pesquisar continuamente os assuntos mais atuais e variados relacionados a psicologia a fim partilhar artigos interessantes e confiáveis a todos que apreciam.

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