Amor é patologia

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Quando um estudante de Psicologia me afirmou numa conversa despretensiosa: “Para psiquiatria amor é patologia”, eu realmente me senti intrigada. Será mesmo que amar estaria sempre diretamente relacionado a algum distúrbio psiquiátrico? Então fui fazer as minhas pesquisas, embora antes disso já tivesse encontrado algumas respostas em minhas próprias histórias.


Depois de dois casamentos, alguns relacionamentos, maternidade, mudança de país, tantos trabalhos e estudos, a maturidade e amor próprio finalmente haviam chegado. Olhar para trás e perceber o quanto as coisas tinham sido diferentes antes disso era claro como água. Observar a minha própria vida e a de tantas pessoas à minha volta, mostrava nitidamente que maturidade e amor próprio não são coisas que se aprende na escola ou apenas com a educação em casa. Maturidade e amor próprio verdadeiros vêm com o passar dos anos, com as dores vivenciadas, os erros cometidos e lições aprendidas.

E sobre minhas histórias eu concluí que muitos amores foram mesmo patológicos, o que significa dizer que não foram saudáveis, mas baseados nas minhas próprias carências e necessidades, e não no amor ao outro propriamente dito e como o saudável deveria ser. Nós pobres mortais sempre teremos a tendência a esperar do ser amado a compensação por tudo àquilo que nos faltou na infância, mesmo que seja de forma inconsciente na maioria das vezes.

Hoje para mim é claro todo o excesso de ciúmes que senti no passado, as inseguranças, a possessividade, os exageros, e até o abrir mão da minha própria vida e individualidade em nome de um amor por outra pessoa. E é claro que nada disso deu certo. O maior erro que se pode cometer em nome de qualquer coisa que acreditamos ser amor, é o abrir mão daquilo que somos. Não existe reciprocidade saudável nisso. Nada justifica algo tão impensado, uma vez que abrindo mão de nossa individualidade, nada do que o outro faça poderá resgatar esta perda. E um ciclo de insatisfações e cobranças se instala. E a patologia então aparece: em depressões, inseguranças, obsessões, ciúmes e outros.





Sabe a falta que seu pai fez nos seus dias de criança? A surra injusta que levou da sua mãe ou do seu avô? O abuso físico ou psicológico? Querendo ou não, esperamos que o amor de nossas vidas tenha por nós um amor tão grande, que irá preencher todos os buracos que temos na alma. Mas ninguém é responsável pelo passado de ninguém.

Apenas com a maturidade e o verdadeiro amor por si mesmo, somos então capazes de encontrar um amor saudável, a partir de nós mesmos: sem ciúmes, inseguranças, cobranças indevidas e tantos outros exageros, que hoje chegam até mesmo à violência doméstica.

Vejo ao meu redor diversos casamentos de anos, mas que na prática são falidos também há tempos. Há controle de um cônjuge em relação ao outro nos horários, gastos, telefones e por aí vai. Quem tem amor por si mesmo, não estaciona numa relação tão insegura e sofrida. Se o outro não tem amor, então se aceita e se segue adiante. Mas o que existe na maioria dos casos é uma dependência emocional e às vezes ao mesmo tempo financeira, e tudo fica por isso mesmo. Num jogo de infidelidade e deslealdade sem fim, não apenas um com o outro, mas em primeiro lugar e principalmente com si mesmos.

Não é fácil encontrar um amor. Passamos a vida procurando por um que valha a pena. Somos todos carentes em alguns pontos, quebrados psicologicamente e emocionalmente em outros. Não existe ninguém inteiro, que nunca tenha se ferido.


E no fim das contas, acho que o estudante tinha em parte razão. Nem todo amor é considerado patológico. Mas vivemos numa sociedade onde a maioria das pessoas parece viver relacionamentos desse tipo, com apego em excesso, sem liberdade e cheio de inseguranças.

Acredito que a solução para que tantos amores não se tornem patológicos, é a busca por si mesmo, o autoconhecimento e as curas internas, tendo como consequência uma autoestima elevada. E depois dessa auto realização, todo amor será saudável e construtivo, livre de associação a patologias.

Pois amor saudável provém sim de maturidade, sabedoria e experiência de vida. O amor saudável pelo outro vem depois do amor saudável por si mesmo. E isto é algo que se aprende com o tempo e a vida. Com o olhar em primeiro lugar em si mesmo.

About the Author Carolina Vilanova

Carolina Vila Nova é brasileira. Tem cidadania alemã, 40 anos. Escritora e Roteirista. É autora dos seguintes livros: “Minha vida na Alemanha” (Autobiografia), “A dor de Joana” (Romance), “Carolina nua” (Crônicas), “Carolina nua outra vez” (Crônicas), “Vamos vida, me surpreenda!” (Crônicas), “As várias mortes de Amanda” (Romance), “O dia em que os gatos andaram de avião” (Infantil), "O Milagre da Vida" (Crônicas) e "O beijo que dei em meu pai" (Crônicas). Disponíveis na Amazon.com e Amazon.com.br Mais matérias em: www.carolinavilanova.com

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