Vamos falar sobre puerpério?

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Acredita-se que a mulher ao engravidar vive seu momento de plenitude, de brilho, de energia, de uma alegria e felicidade sem fim, mas na verdade não é bem assim, e essa crença dificulta que as mulheres tenham coragem de expor suas angústias em relação à maternidade, que se desdobra em dificuldade de buscar ajuda e orientação. E muitas vezes a demora em falar com alguém sobre pode ocasionar em intervenções tardias no caso de uma tristeza puerperal, depressão pós-parto ou sofrimento materno.





E já é sabido que a depressão pós-parto incide diretamente na relação mãe-bebê de forma negativa, a prejudicar o desenvolvimento da criança em alguns aspectos sócio-afetivos, ou cognitivos.

De forma alguma deve-se culpar a mãe quando nos deparamos com essa situação, já que somos bombardeados diariamente de imperativos que nos obrigam a esconder fragilidades, e nos fantasiar de discursos motivacionais e alegres, a mãe não está fora disso.

A mãe é travestida por uma figura mítica que tudo pode, tudo aguenta e ainda é feliz; por questões bastante particulares de cada pessoa, algumas conseguem se desvencilhar desse imperativo social, e encontram saídas criativas para lidar com a nova realidade, que necessita de novos arranjos, e novas habilidades dessa mulher que se torna mãe, e, exatamente por questões peculiares da história de cada um, outras mulheres sucumbem à tristeza, à culpa, ao não-pertencimento à maternidade.

As transformações já começam durante a gestação, da descoberta ao parto. Há o momento de aceitar e integra-se à nova característica, pois ser mãe está para além de um papel a ser desempenhado – no trabalho, você tira o crachá quando chega em casa, a maternidade não; e esse momento está presente desde a descoberta da gravidez, com as mudanças físicas, que carrega em si o luto pelo corpo, luto pelo antigo modo de vida, e dentro de uma sociedade de consumo, impregnada pelo grito de ‘no limits’, lidar com as limitações e mudanças que a gestação trás – e que são diferentes à cada mulher, pode ser um processo pesado, dependendo de como se reage às mudanças, como se vive a aceitação do novo.

Também existe o momento de compreender que o bebê é um ser diferente da mãe, apesar de estar acolhido dentro dela, e o momento de separação (real) entre os corpos mãe e bebê, que para cada pessoa pode ser vivido de uma maneira diferente, mas que também carrega em si outro momento de luto do corpo, e das expectativas, pois o bebê real pode ser diferente do bebê esperado, e essa quebra exige da mulher uma reorganização psíquica para lidar com a separação de que cada um é um, e com a aceitação da quebra da expectativa.

E em cada momento a mulher se depara com si mesma, diversas vezes, com sua infância e a mãe das brincadeiras, e sua própria mãe; com seus medos mais primitivos, com suas angústias escondidas. A maternidade é um reencontro, e este reencontro pode ser doloroso, pois toca nas fantasias infantis, e nas feridas que ficaram abertas, e até então, disfarçadas. Acresce-se à este momento peculiar, diversas pressões sociais que agravam a ansiedade e angústia de “ter que dar conta” de tudo, então, a mulher ao ter o bebê não está mais protegida à cuidar apenas do bebê, enquanto a díade (mãe-bebê) encontram-se no seu momento mais frágil e vulnerável, o que agrava a chance de desencadear alguma psicopatologia.

Sabe aquela história do “resguardo quebrado” que as nossas avós tanto cuidam para que a mulher seja preservada? É mais ou menos isso, que as mulheres recém-mães seja protegidas de outras preocupações que não sua relação com o bebê, até que ela esteja novamente inteira, para aos poucos retornar às outras atividades, de forma equilibrada e harmoniosa.





Pulando as nomeclaturas da sintomatologia, todo sofrimento deve ser ouvido e levado em consideração, no caso da maternidade, os sintomas mais comuns de que algo não vai bem é a tristeza pertinente, pensamentos obsessivos de machucar o bebê ou a si mesma, exaustão, dificuldade de cuidar do bebê, instabilidade de humor, distúrbios do sono ou alimentares, ansiedade, choro fácil, sensação de incapacidade, claro que dependendo de cada mulher, e da sua história de vida, os sintomas podem variar.

Uma coisa boa é que com a luta pela humanização do nascimento, há uma abertura crescente para que as mulheres falem sobre suas angústias, da gestação à amamentação, o que facilita que alguns sintomas relacionados ao sofrimento materno sejam reconhecidos precocemente, e uma intervenção seja realizada, a fim de auxiliar a mulher a encontrar ferramentas para lidar com a nova realidade apresentada.

É importante que desde a gestação a mulher seja incentivada à cuidar não apenas do estado físico dela e do bebê, mas do aspecto psíquico que a gestação proporciona, que também reflete na constituição fetal, desta forma ela está se preparando também para nova jornada que seguirá como mãe.  Pensar o puerpério é importante, pois ele é o início da jornada materna, que trás à tona milhares de sentimentos e emoções que podem ser tão ricas para o processo de autoconhecimento, de amadurecimento, de empoderamento da mulher.

Participar de encontros e rodas de conversa com profissionais da saúde sobre gestação, parto e amamentação, para encontrar informação e compartilhar os sentimentos envolvidos nesse período podem ajudar bastante, como também buscar apoio na psicoterapia, tendo em vista que a psicoterapia não cuida apenas do sofrimento e da “doença”, mas busca também proporcionar um lugar de escuta e acolhida, trabalhando em prol do bem estar, e qualidade de vida. E, mais do que tudo, o apoio familiar é primordial para que o ambiente seja harmonioso e equilibrado, possibilitando a passagem pelo puerpério de maneira saudável.

About the Author Raisa Arruda

Psicóloga, Psicanalista, especializando-se em Psicomotricidade Relacional. Atua na clínica particular atendendo crianças, adolescentes, e adultos, e também com acompanhamento psicoterapêutico às mães e orientação familiar.

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