Traumas de infância e vida adulta

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Em primeiro lugar vamos entender o que é trauma emocional ou psíquico.

   A palavra trauma tem relação com traumatismo, que significa lesão ou ferida produzida por ação violenta e externa ao organismo e pode ou não deixar sequelas.





   Na visão da psicologia, o trauma ocorre pela incapacidade do sujeito de superar determinado acontecimento na sua vida. Digamos que a maneira encontrada para lidar com o evento traumático não foi a mais adequada, pois a carga emocional foi mais intensa do que o indivíduo poderia suportar.

   O comprometimento que um trauma causa vai depender da intensidade da violência do trauma e da capacidade da pessoa, seja criança ou adulto, de elaborar psiquicamente a situação ocorrida. Trauma é aquilo que deixa marcas e que pode te impedir de fazer aquilo que tem vontade na vida, pois o trauma inibe a energia de se viver plenamente.

    Podemos dizer que a origem da neurose é causada por um trauma, onde este trauma vai gerar um conflito entre o desejo do sujeito e as censuras/repressões criadas pelo ambiente externo (cultura, família, igreja, escola etc.) e pelo ambiente interno, ou seja, nossa autocensura, pois o tipo de criação que tivemos e o meio ao qual vivemos, limitarão a nossa liberdade de ceder aos nossos próprios desejos.





     Na origem desse trauma consta também a culpa que a criança sente por não saber se foi a responsável por determinada situação de violência que tenha passado. Nesse sentido, podemos classificar de violência qualquer acontecimento pelo qual a criança tenha passado e tenha sido agressivo à ela (brigas entre os pais e com a própria criança, separação, xingamentos, chantagem emocional, drogas ou bebedeiras na frente da criança, presenciar sexo, tentativa de estupro, incentivo à prostituição infantil, exploração para o trabalho, espancamento ou utilização de objetos que ferem, depreciação constante da criança, abandono, desastres naturais, acidentes, violência urbana e doméstica em geral etc.). Citei aqui alguns casos pelos quais algumas crianças passam. A lista é interminável, porém, é bom atentar que qualquer tipo de violação no desenvolvimento normal da criança, poderá produzir um enfraquecimento do Eu e contribuir para a configuração de um sujeito inseguro, cheio de carências e neuroses que limitam a sua vida e impedem a busca pela autonomia.

     Podemos entender, então, que independente do acontecimento traumático, este poderá manter as feridas até a vida adulta dependendo da sua intensidade ou de quanto a pessoa conseguiu elaborar a situação que passou. Quando a elaboração não ocorre é aconselhável que a pessoa procure ajuda de um profissional psicoterapeuta.

     Dependendo da fase do desenvolvimento e da quantidade de tempo em que a criança passou vivendo em um ambiente traumático, ela poderá desenvolver Transtornos de Ansiedade, Transtornos Depressivos, Transtornos Comportamentais e Emocionais diversos, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, entre outros, porém, cito novamente a importância de uma avaliação psicológica profissional, tendo em vista que muitos desses diagnósticos são facilitados por uma investigação que generaliza os sintomas da criança e a coloca num patamar estatístico, sem considerar a história de vida de cada criança. Aliado a isso está o crescente interesse da indústria farmacêutica em atingir o público infanto-juvenil e produzir respostas superficiais para problemas profundos.

    Algumas crianças e adolescentes, vítimas de traumas, se adaptam e se recuperam de maneira surpreendente, apesar da experiência sofrível pela qual passaram. As respostas emocionais variam de acordo com o amadurecimento psíquico, que ocorre de maneira precoce nas crianças que sofrem abusos. Esse amadurecimento precoce já seria uma resposta inteligente que o organismo dá para proteger o psiquismo de um sofrimento mais intenso. Assim como o limiar de dor física pode variar, o limiar de dor psíquica também varia e é importante para definir se o trauma se tornará uma patologia na vida adulta ou não. Mas existem vários fatores que também podem influenciar o fortalecimento de um Eu mais seguro e saudável, um deles é o carinho e a atenção da família e dos amigos na fase posterior ao evento traumático. O contato com aqueles que guardam sentimentos de amor é fundamental para a recuperação do trauma.

    Além das questões que influenciam no desenvolvimento da personalidade (e aqui nesse texto não falaremos sobre esse tema) existe também um conceito chamado resiliência. Essa expressão é tomada da física e significa “voltar ao estado normal”. Em psicologia podemos dizer que é a capacidade de superar obstáculos, de se recuperar de uma adversidade vivida, de lidar com seus próprios problemas e encontrar soluções saudáveis para continuar.

   Quando crianças, somos inocentes, carentes, submissos, indefesos e despreparados para a vida, precisamos de alguém que supra as nossas carências para um desenvolvimento satisfatório. Quando esse alguém não existe e a criança ainda é violentada em sua existência, os traumas surgem e, na sua grande maioria, são levados para a vida adulta. Essas sequelas fazem com que o adulto acredite estar sempre desamparado, abandonado e solitário, tornando-se uma pessoa insegura, tímida e com medo de se aventurar na vida.

    O papel da psicoterapia nesse caso é fazer com que o adulto perceba que não é mais aquela criança inocente, submissa, indefesa e despreparada que acreditava ser. Junto com o terapeuta, o indivíduo traumatizado vai encontrar caminhos para redescobrir sua força, sua energia e sua vontade de viver. Para isso, é necessário que o trauma seja revivido não só com lembranças, mas com emoções e afetos correspondentes. É preciso que o sujeito retorne àquele lugar doloroso, mas encontre segurança no meio do caos não elaborado anteriormente. A terapia vai fazer com que o indivíduo organize aquilo que ficou fragmentado no decorrer da vida. As lacunas do viver serão preenchidas por pensamentos de confiança, tranquilidade, força e ousadia para se colocar no mundo de forma ativa e positiva. Essa força será sentida no corpo e na mente.

      O processo não é fácil, mas é possível.





      Na terapia Reichiana pode-se dizer que esse trauma ao qual falamos iria contribuir para a formação da couraça no caráter do indivíduo. Essa couraça seria uma forma de defesa contra a ansiedade criada pelos intensos sentimentos da criança e o consequente medo da punição. Esse mecanismo de defesa do Ego passa a agir de forma crônica fazendo com que o adulto passe a viver em constante estado de estresse, como se alguma coisa ruim fosse acontecer, fazendo com que ele viva com o corpo sempre contraído e raramente se permitisse o relaxamento. A couraça serve para proteção contra novos eventos traumáticos, mas também tira a sensibilidade e o prazer de viver.

     O processo de amadurecimento psicológico se inicia a partir da flexibilização dessa couraça psicológica e física, tornando-nos, gradualmente, seres humanos mais livres, mais amorosos, capazes de entrar em contato com o prazer de viver e de nos entregarmos a um orgasmo mais pleno e satisfatório.

      O psiquiatra e cientista social Wilhelm Reich observou que temos sete segmentos principais no corpo, os quais estariam comprometidos pelo represamento de energia provocado pelas couraças. Esses segmentos são ocular, oral, cervical, torácico, diafragmático, abdominal e pélvico. Trabalhar a couraça nesses segmentos faria com que a bioenergia represada voltasse a seguir seu fluxo normal, proporcionando uma vida mais saudável, mais feliz e com mais energia.

        Para facilitar esse processo, a terapia Reichiana trabalha com a análise das resistências da pessoa, que seriam defesas que se apresentam na maneira de ser, trabalhamos com respiração profunda e intervenções corporais através de toques e movimentos.

         O objetivo da terapia é fazer com que o indivíduo volte a expressar e entrar em contato com suas emoções, seus afetos e que ele perceba que aquele modelo psicológico construído na infância, não tem mais utilidade nos dias atuais. Podemos superá-lo e evoluir a partir de uma nova consciência e percepção. A terapia Reichiana busca a retomada da experiência de prazer que perdemos ao longo do tempo. Buscamos o fluxo de energia que pulsa e se expande. Essa energia que se manifesta no corpo é a mesma que se manifesta na mente, pois, na verdade, não existe divisão energética corporal, o que existe é um fluxo saudável que percorre o corpo, alimenta a mente e vice-versa. Deveríamos chamar sempre corpomente, essa unidade funcional de energia biológica que se funde e cresce.

         O trauma seria um funcionamento do organismo num nível baixo ou represado de energia. Liberando o fluxo dessa energia estaríamos no caminho do desenvolvimento do potencial humano.

 Abraços

 Alexandre Salvador

About the Author Alexandre Salvador

Psicólogo clínico, psicoterapeuta corporal, ávido leitor, pai coruja, bom humor acima de tudo, um buscador dos mistérios da vida... www.alexandremsalvador.com

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